Entrevista: Fernando Schmidt nega que seja omisso e abre o jogo sobre o Bahia
Presidente do Bahia falou tudo sobre Bahia, Cidade Tricolor, jabá e outros temas
O advogado Fernando Roth Schmidt, 69 anos, é o primeiro presidente do Bahia eleito pelos sócios. O status simbólico e o aumento no quadro social, de 600 para 22 mil, mostra apoio da torcida. Mas não o exime de críticas pelo mau início do futebol tricolor na temporada 2014. Calmo e com fala pausada, Schmidt recebeu o CORREIO, quinta, na sede do Mundo Plaza.
O senhor volta a presidir o Bahia após 35 anos. Alguma coisa hoje lembra o Bahia de 1979? A paixão. A paixão dos torcedores, acho, que é a mesma, se não for maior. Além disso, curiosamente, há 35 anos, entrei no Bahia em meio a crise financeira, patrimonial e de formação de equipe. Veja como o mundo dá voltas. Naquela época, a arrecadação do Bahia, que se resumia aos jogos na Fonte Nova, eram sequestradas pelo Baneb. Precisamos de atitudes corajosas. O Bahia levou um ano nômade. Enquanto construíamos o Fazendão, o Bahia não tinha onde ficar, concentrar, treinar... Mas eu saí do clube dia 21 de janeiro de 1979 quando inauguramos a primeira etapa do Fazendão e o clube voltou a ter seu patrimônio, além da sede de praia. Também eram poucos sócios. Tínhamos dupla jornada, criamos o Bahia Gigante e vendemos atletas. Sem a venda de Jorge Campos e Perivaldo, não teríamos conseguido. Nossa diretoria conseguiu passar à torcida a necessidade de fazer opções para pensar grande e no futuro. A ideia era fazer um estádio ali. Era o projeto de 1975 com o Fazendão: ter um pequeno estádio ou de porte médio. Mas foi engavetado. Apesar disto, fomos tetracampeões. Peguei com três títulos e fechamos o heptacampeonato.
Neste mandato, existe justamente a questão do Fazendão e a Cidade Tricolor. O Bahia ficará com os dois equipamentos?
Acho que tem totais condições até porque foi muito mal conduzido pelo Bahia. As decisões sequer passaram pelo Conselho e Assembleia Geral. Muitos documentos são assinados exclusivamente pelo ex-presidente (Marcelo Filho). De início, era permuta de um pelo outro. Depois, os aditivos... Foi mal calculado, avaliado e o Bahia ficava endividado. Chegou a ponto de parar e fazer uma avaliação efetiva dos dois imóveis. Caminha para a solução de ficarmos com os dois imóveis.
O brasileiro tem o hábito de ser personalista. Quem resolve é presidente, governador e prefeito. E você é criticado por não se encaixar neste perfil.
O presidencialismo levado ao acesso desaparece outras figuras. Hoje, não há grande clube brasileiro sem a companhia de grandes executivos trabalhando ao seu setor. Ninguém trabalha sozinho, mas em cima de planejamento e com metas estratégicas. Em 2013, foi gestão emergencial para não cair. Em 2014, mudou. Começamos a planejar médio prazo, inclusive, no futebol, trazendo nova mentalidade que é disputar torneios buscando ser vencedor. Os jogadores não têm obrigação de ganhar todas as partidas, mas têm de demonstrar garra, empenho e foco.
Teve isso no Nordeste?
No Nordeste e no Baiano, tivemos situação complicada. Foram 24 dias de temporada com oito jogos. Isso é desculpa? Não. É realidade que tem que ser vista e entendida. A gente não pode pensar que as coisas vão ser feitas com passe de mágica. Aqui nesta cadeira ou ao meu redor não tem nenhum Mandrake. A época dos mandrakes acabou. Nós procuramos trabalhar da forma séria e abertos.
O calendário precisa mudar?
Precisa. Hoje, existem vários atores novos e todos precisam ser ouvidos. O futebol brasileiro não pode ser resolvido por CBF e FBF. Que atores são estes? As novas arenas, o governo no poder executivo e legislativo, os jogadores com o Bom Senso FC, os clubes: todos são atores novos que estão se consolidando no futebol brasileiro. Se pretende-se um legado da Copa e não se ouve todos os atores, o legado será muito pobre e vai mudar muito pouco. Ou, quem sabe, vai ser uma espécie de mudança para continuar tudo como está.
O Clube dos 13 faz falta?
Eu cheguei a ser da diretoria do Clube dos 13. Fui dirigente-fundador. Nós fomos pioneiros na tentativa, depois foi esvaziado e implodido. Na hora que foi implodido, não ficou nada. Só os grandes se beneficiam disso e só não se beneficiam mais porque passaram por processo de crise brutal de 2008 para cá.
E fragiliza o campeonato.
Isso. Nós somos o primeiro clube a apoiar o Bom Senso. Chegamos a ter reuniões aqui na Bahia e fora. Para que funcione, não pode ser só uma regra de conduta e direitos dos jogadores. Têm que receber em dia, ter calendário compatível com a atividade física, mas é preciso também que se olhe o teto salarial. E olhe também muito no que se refere ao direito de imagem e ao uso. O direito de imagem pode vir para o bem e para o mal. Tem que haver código de direitos e deveres entre clubes, federações e jogadores.
As pessoas com maior visibilidade são o vice-presidente Valton Pessoa e o assessor Sidônio Palmeira. Muitas vezes, diz-se que você é omisso. Como você encara isso?
Primeiro, é uma falsa visão do que está acontecendo. Eu nunca fui omisso na minha vida. Fui até para a cadeira por não ser omisso na época da ditadura. Não tem esse problema comigo. Não tenho medo ou receio. Estou a par de tudo. Nada é feito sem eu tomar conhecimento. Digo mais: é que eu não ando anunciando antes da hora. Mas é plano nosso, meu desejo, de que, até o fim do ano, nós saiamos daqui e vamos todos ao Fazendão. A sede administrativa será o Fazendão, como já foi.
Valton Pessoa e Fernando Schmidt comemoram triunfo nas urnas
Aí futebol e outro setores se integram e haverá economia.
Exatamente. Aqui, pagamos aluguel e lá, não. Mas precisamos adaptar o Fazendão. Já começamos também a fazer a concentração dos atletas, recuperando tudo para o time se concentrar lá, com refeitórios e quartos. Também vamos reformar completamente a divisão de base. Não pode continuar como está. Hoje, por exemplo, tive reunião com presidente da Embasa para parcelar e pagar o que deve, com juros e correção. O poço da Embasa está fechado. Tem só o poço artesiano funcionando e a água só serve para molhar o campo. Isso desde 2004. Era essa gestão “fantástica” a do Bahia.
Nos últimos dias, o supervisor de futebol foi demitido, a base está mudando e o diretor administrativo-financeiro cogitou sair. Demoraram para mexer e já iniciar o ano modificado?
Eu acho. Demoramos de tomar atitudes de reformulação para substituir pessoas que visivelmente trabalhavam contra os propósitos desta diretoria como trabalharam contra a intervenção. Outras pessoas nem digo que trabalharam contra, mas não tinham perfil para as funções. Até mesmo para arejar. A gente não pode ficar com o regime de capitanias hereditárias descendo da presidência até a vigilância. Com relação a Reub (Celestino, o financeiro), não há nenhuma ressalva a fazer. Existem divergências dentro da diretoria? Claro e isso é altamente benéfico. Existem divergências dentro da família e até no casamento. Por que não vai existir na diretoria? A diferença é que não são para destruir, mas aperfeiçoar e corrigir problemas que tenham ocorrido e aperfeiçoar para unidade maior e mais sólida.
Na pauta de arrumações, as doações para as organizadas acabaram e foram privilegiados torcedores e sócios. Agora existe o debate do jabá, dinheiro dado para algumas pessoas na imprensa defenderem a diretoria.
Está se fazendo uma confusão que não deve. Existem setores, felizmente minoritários da nossa imprensa, que aceitam receber recursos para defender, elogiar, permanentemente, ter uma posição de apoio à diretoria, quando não fazem pior e se tornam verdadeiros cúmplices, virando espécie de sócio das coisas que acontecem no Bahia. Isso será combatido sem temor, apesar de qualquer esperneio que venha ser feito, de qualquer ameaça. Outra é a imprensa. Quando uma empresa lança um produto ela não paga publicidade? Vamos lançar a campanha de associação em massa com filmetes, outdoor, spots para rádio, anúncio para jornal. Evidente alguns veículos vão aderir como colaboradores ou vão diminuir os preços e outros não. Isso é o que faz a imprensa ética e com a qual nós queremos ter a maior abertura e o melhor relacionamento. Isso não é jabá.
Como torcedor, o que você acha do time? Tem jogador que gosta mais, menos... Que a torcida se identifique.
Antes, quando fui presidente, tinha Douglas, Baiaco, Roberto Rebouças, laterais como Ubaldo e Romero, Thyrso na ponta-direita, enfim... Tinha jogadores que considerava ídolos. Tem jogadores que não foram de meu tempo: Bobô é exemplo. Não só de jogador como homem de caráter e cidadão que deu e dá o maior amor ao Bahia. Honra o nosso Conselho. Atualmente, acho difícil ter outra pessoa que reúna as condições de ídolo que Marcelo Lomba, o nosso capitão. Ele encarna muito do espírito e garra de luta, como Titi, que não vou deixar de citá-lo. O ídolo se faz não somente pelo aquilo que joga, claro que é fundamental, mas pela capacidade de liderança que exerce sobre os companheiros. Na segunda-feira, tive conversa com eles e disse: ‘Deus nos deu duas orelhas e uma boca. Não foi à toa’. Para você ser líder, gestor e comandante, você precisa ter enorme capacidade de ouvir para cumprir a parte que sai da sua boca.
Quando você assumiu, o Bahia tinha 600 sócios, na rabeira do programa Futebol Melhor, da Ambev. Hoje, são mais de 22 mil. Confiança, mas também uma cobrança mais qualificada.
É claro. Quando elaboramos o plano de gestão, tinha três âncoras: democracia, transparência e profissionalismo. Se as três ancoras não estivessem solidamente fixadas, qualquer planejamento, emergencial ou estratégico, seria comprometido. Coincidentemente, aconteceu tudo junto com as manifestações de rua do Brasil e aprofundamento da questão democrática. Isso não pode ser um discurso. Tem que ser acompanhado de instrumentos para estas pessoas darem opinião, fazerem crítica, fiscalizarem, acompanharem a vida do clube e exercerem plenamente, sobretudo, para justificar a migração do torcedor para sócio. É um voto de confiança no novo plano de gestão. É um movimento de captação de sócios e depois de fidelização. Você tem que oferecer desde a participação política efetiva aos benefícios reais.
Como foi o desconto de 50% para o sócio na Fonte Nova.
Uma das primeira medidas foi rediscutir o contrato de concessão com a Arena Fonte Nova. Ainda com o interventor Carlos Rátis, tínhamos uma campanha na rua de Público Zero. Minguava na Fonte Nova. Depois passou a casa cheia. Milagre? Não. Mas as arenas são novos players indispensáveis do futebol. Essas arenas, em momento algum, pensou que fossem instrumento de exclusão social. Ao contrário. Mais segurança, conforto, mas pessoas com até baixo poder aquisitivo de lá estar. Como? Baixando preço do bilhete e dos serviços dentro e fora do estádio. Não é negociação fácil, mas tem que ser jogo de ganha-ganha. Ganha a Arena Fonte Nova e o Bahia. Não foi fácil porque o modelo das arenas no Brasil foi europeu. Eu fiquei emocionado quando vi as pessoas ocuparem várias áreas da Arena fonte Nova pela primeira vez. Vi jovens e crianças chorando.
Mas tem uma diferença. No modelo europeu, em muitos estádios, o clube é operador. No Brasil, não é...
Mas aí é que está. Esse é o xis da questão. Se você não fizer com que a torcida se apodere do estádio, onde ela exerce seu mando de campo, se você não fizer a torcida ter amor por aquele local, essa equação não vai dar certo nunca. E por isso nós começamos a fazer estas mudanças. Ainda tem muito chão a percorrer para os torcedores de todos os segmentos sociais possam frequentar e se sentir em casa. Na sua casa dentro da Arena Fonte Nova. A modelagem só vai dar certo se for assim.
O torcedor do Bahia perdeu a mentalidade vencedora?
Não. Acho o contrário. Até porque ficou revoltado com esta mentalidade que quiseram empurrar goela abaixo. A chama tricolor, tão bem expressa em nosso hino imortal de Adroaldo Ribeiro Costa, de ninguém nos vence em vibração, está cada vez maior.
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Fonte: Marcelo Sant’Ana – Correio*
Foto: Marina Silva e Hailton Andrade/iBahia