Aos menos avisados em termos de culinária baiana, a pimenta costuma ser uma armadilha. Basta um pequeno vacilo para alguém pouco informado se surpreender com o sabor picante de um acarajé “quente”. Natural de Mogi das Cruzes, na região metropolitana de São Paulo, Maikon Leite cresceu cercado de pratos como tortinho (bolinho caipira feito de farinha de milho branca) e afogado (caldo de carne). O sabor apimentado não era uma companhia constante. Mas, no último ano, o atacante tricolor precisou se acostumar com novas iguarias. Em 2016, ele passou seis meses nos Emirados Árabes e outros seis no México, país que possui a pimenta chili como base para comidas típicas. Em Salvador há poucas semanas, ele garante que não faz cara feia para quitutes picantes. Confundir o molho lambão com vinagrete não é, portanto, um grande problema para o jogador do Bahia.
- Depois que saí da Arábia, pimenta rolando, o México então... Chega na Bahia, pode dar pimenta que não tem problema não. Se problema fosse só comida, resolvia de letra. O negócio é resolver dentro de campo, isso que interessa – comentou aos risos em uma descontraída conversa com o GloboEsporte.com.
A pimenta não incomoda. E Maikon Leite também aprendeu a conviver com os pequenos detalhes que diferenciam a cultura de cada lugar. Nos Emirados Árabes, a religião foi o que mais chamou a atenção do atacante. No Al Shaab, ele dividiu o quarto com um jogador muçulmano. E se surpreendeu com a prática do Salá, a oração do islamismo.
De acordo com os preceitos do islã, o Salá deve ser feito em cinco momentos distintos do dia, em árabe e sempre voltado para Meca, cidade sagrada para os muçulmanos. Maikon Leite flagrou uma das orações do companheiro de time. De início, não entendeu bem o que presenciava. Hoje, ele lembra do momento de uma forma cômica.
- Eles têm a religião deles e oram muitas vezes. Na minha primeira concentração, fiquei no quarto com um árabe. Ele falava árabe e um pouco de inglês, eu não falava nada de inglês. De repente ele abaixou e começou a rezar. Não entendi nada. Depois que fui entender que ele estava rezando (risos). A gente não conversava nada. Só na hora de descer, sabíamos o horário. Tinha muita resenha não. Máximo, no máximo, uma mímica- contou.
Por conta do clima, os treinos nos Emirados Árabes também se diferenciam das atividades realizadas em solo brasileiro. Durante o dia, a temperatura no Oriente Médio ultrapassa 40°C. Para driblar o calor, os clubes promovem atividades no período da noite. Com relação ao futebol, Maikon Leite confessa que o nível de competição é baixo quando comparado aos campeonatos promovidos no Brasil.
- É outra coisa. Treina às vezes à noite. Tem que respeitar muito a cultura deles. O campeonato não é competitivo, é outra coisa. Tem muita coisa que leva a gente a ir para lá, mas o futebol é totalmente diferente. A gente tem que se adaptar a qualquer situação e ser profissional sempre.
Após se aventurar por um país culturalmente distante do Brasil, Maikon Leite seguiu para o Toluca, do México. O contrato foi oficializado em junho de 2016. O cenário encontrado era parecido com aquele que o atacante havia deixado na terra natal, com pequenas peculiaridades que faziam grande diferença. Os treinos eram realizados em intensidade menor, e a organização do calendário impedia que clubes e seleções jogassem no mesmo dia.
- No México a gente treina um pouco menos que no Brasil. É diferente. Calendário é mais organizado que o brasileiro. Em geral, o futebol é muito parecido. Nas datas Fifa o futebol para no México. Normalmente se joga fim de semana. Não é toda hora que tem jogo meio de semana. Não é como no Brasil, que é porrada toda hora, o ano inteiro. Por isso o calendário é mais organizado.
Em casa no Nordeste
Calor, praias paradisíacas, pessoas receptivas. O Nordeste é um dos principais destinos turísticos do Brasil. E Maikon Leite conhece bem a região. Mas o interesse dele no local está longe em ser o turismo. O Bahia é o terceiro clube nordestino na carreira do atacante, que foi revelado pelo Santo André em 2007 e ganhou projeção no Santos na temporada seguinte.
Em 2013, Maikon Leite defendeu o Náutico, com 24 partidas realizadas e oito gols marcados, desempenho que não evitou o rebaixamento para a Série B. Pelo Sport, o atacante participou da melhor campanha do clube na Série A na era de pontos corridos. Foi em 2015, quando o Leão pernambucano ficou com a 6ª posição, a três pontos da zona de classificação para a Libertadores. Pelo Rubro-Negro, foram 29 jogos e quatro gols.
- O calor do Nordeste me faz bem. Gosto daqui, desse clima. Espero que no Bahia possa ser melhor do que fui no Sport e no Náutico. Acredito que fui importante para as duas equipes, pude mostrar bem meu trabalho nas duas passagens. Espero que aqui possa ser ainda melhor.
Maikon Leite vê semelhanças entre o atual grupo do Bahia e o do Sport de 2015. A avaliação é de que o time de Guto Ferreira tem potencial para repetir o rendimento do time pernambucano e fazer bom papel na Série A.
- Temos um grupo unido, que acredito que pode chegar muito longe. Pensamento do nosso treinador é de chegar, pensamento de todo mundo. Vejo muita semelhança com o grupo do Sport de 2015. Acredito que a gente vai surpreender muito.
Gírias e o Baianês
Maikon Leite foi anunciado pelo Bahia no dia 9 de fevereiro, em uma ação na qual entrou em contato com sócios-torcedores por um aplicativo de celular (confira a ação no vídeo abaixo). Em um dos intervalos entre as ligações, ele deixou escapar a expressão “segue o baile”. A gíria causou estranhamento a quem estava na sala. Não fazia parte do repertório do dicionário do baianês.
Na verdade, nem o atacante lembra de onde tirou a gíria utilizada no momento em que foi oficializado. Ele brinca e diz que foi uma criação de um momento de nervosismo. Em um lampejo criativo, deu vazão à espontaneidade.
- Não lembro exatamente [de onde vem a gíria]. Estava na emoção do momento. Eu soltei o “segue o baile”. Gíria para seguir em frente, coisa assim. Alguns torcedores continuaram mandando isso. Foi uma gíria do momento, faz mal para ninguém não – explicou aos risos.
Quanto ao baianês, Maikon confessa estar estudando. Ele ainda não arrisca a falar nenhum termo tipicamente baiano. Mas escutou muitas gírias na convivência com o elenco tricolor.
- Ainda não [aprendeu nenhuma gíria baiana]. Estou só escutando. Escutei algumas. Tem umas que são curiosas. De cabeça não lembro. Toda hora que escuto eu penso: “Isso é daqui, é dos baianos”. A gente vai aprendendo (risos).
Além de aprender novas gírias, as primeiras semanas no Fazendão proporcionaram ao atacante uma pequena pré-temporada. O tempo na capital baiana foi dedicado quase que exclusivamente aos treinos. Da cidade, ele conhece apenas o percurso de casa até o centro de treinamento, além de alguns restaurantes.
- No momento estou treinando forte. Treinando, alimentando e descansando em casa. Não conheço nada. Sai para jantar duas ou três vezes. O momento é de trabalhar, alimentar e descansar.
A estreia do atacante pelo Tricolor está programada para depois do carnaval. Regularizado, ele treinou com o time titular na semana passada. As primeiras atividades com o grupo deixaram Maikon Leite empolgado. Ele aguarda com ansiedade pela oportunidade de fazer o primeiro jogo com a camisa do Bahia. Mas reconhece que a escalação depende do técnico Guto Ferreira.
- Vontade de jogar amanhã. Mas tudo a seu tempo. Não tenho pressa, quero entrar bem na equipe para ver se acho meu lugar. (...) Só quem pode falar é o Guto. Como falei, estava há mais de um ano fora do país. Outra coisa, outro ritmo. Estou aprimorando a parte de força, a parte física. Claro que a vontade de jogar é inevitável. Ainda mais sabendo que estou regularizado, posso jogar a qualquer momento. Mas tem que esperar o momento certo. Se vai ser amanhã, no sábado, na outra semana, no outro mês, tem que estar preparado para entrar bem.
Enquanto não é relacionado para a primeira partida, Maikon Leite segue com a rotina de adaptação e treinos. As atividades estão cada vez mais intensas, e a vida em Salvador tem transcorrido sem grandes sobressaltos. Pimenta, gírias e calor. Aos poucos, o atacante se sente em casa. Com tranquilidade, ele aguarda a chance de mostrar valor. Até lá, ele simplifica, faz o dever de casa e apenas “segue o baile”.