Postado por - Newton Duarte

Solitário, Perivaldo assume os erros: 'Foi a morte do artista'

Em Lisboa, solitário, Perivaldo assume os erros: 'Foi a morte do artista'

Ex-jogador do Botafogo, Palmeiras, Bahia e Seleção vende roupas usadas em feira e diz ter perdido dinheiro com uma mulher, carros e maus investimentos: 'Fiz tudo errado'


Bob Marley pelo visual, Peri pelo nome. E brasuca pela origem. É assim que Perivaldo Lúcio Dantas, 60 anos, é conhecido pelos vendedores da Feira da Ladra, em Lisboa. É no tradicional mercado da capital portuguesa que o ex-jogador da Seleção, do Botafogo, Bahia, Palmeiras e Bangu vende roupas e objetos usados para se sustentar. Perivaldo vive em Lisboa há 23 anos e perdeu o contato com quase toda a família no Brasil. Só não perdeu a boa disposição e a alegria de viver. Como lateral-direito, para ele, só Carlos Alberto Torres e Toninho Baiano foram superiores. Mas, se em campo, era capaz de acertar cruzamentos na medida, como os que fez no empate do Bahia com o Botafogo no Maracanã no Brasileiro de 1976 (assista ao vídeo acima), na vida disse ter cometido erros capitais. Desde os amigos aos conselhos ruins responsáveis pela mudança do rumo da sua vida. Uma mulher, carros e maus investimentos foram os grandes problemas, segundo o baiano. E ele se assumiu como grande culpado pela situação difícil em que se encontra.

- O erro foi meu. Vim para cá, fiz tudo errado, foi a morte do artista. Eu tinha um Rolex de ouro que valia 50 mil dólares e tinha diamante. Vendi, gastei tudo. Comprei carros, vendi também, fui gastando tudo o que tinha e depois não consegui recuperar. Emprestei dinheiro a amigos, dei dólares a um cara para comprar umas ações para mim e ele desapareceu com o dinheiro. E conheci uma pessoa em Lisboa, uma portuguesa, que nem vale a pena falar. As melhores mulheres da minha vida foram a sul-coreana que me ajudou muito e a minha esposa que está em São Paulo e ainda me ajuda - revelou em tom emocionado o Rei da Pituba, que não quis se alongar sobre seu passado e família (assista ao vídeo abaixo).

Perivaldo considera a forma como chegou a Lisboa outro erro capital para a situação em que se encontra - o ex-jogador disse no último sábado à reportagem que aluga apartamento graças ao faturamento na feira e à ajuda mensal dada pela ex-exposa, que confirmou a informação, apesar de as câmeras do "Fantástico" o terem flagrado como morador de rua.  E foi, segundo ele, na saída da Coreia do Sul, onde atuou por três anos, que sua vida começou a mudar para pior. Antes de terminar o contrato, disse ter resolvido voltar ao Rio para tentar a sorte e depois ter ido para Lisboa sem qualquer garantia, aconselhado por alguns amigos.

- Foi uma das maiores besteiras da minha vida. Eu tinha um contrato de 100 mil dólares lá em Seul. Ganhava bem, uns 9 mil dólares por mês, era muito dinheiro. Mas rescindi o meu contrato, voltei para o Rio e me disseram para vir para cá, para Lisboa, que ia aparecer um clube. Nunca apareceu nenhuma proposta boa e eu fui ficando, fui me acomodando e trabalhando aqui e ali.

O ex-jogador disse que jamais usou drogas nem foi alcoólatra. Mas parou durante a reportagem para beber uma cachaça e disse que a mulher, por telefone. reconhece quando bebeu.

- Bom, eu não tenho vícios, não uso droga. Eu tomo assim uma bebidazinha ou outra, mas não tomo muito, porque a minha mulher não gosta e ela diz que sente o cheiro da bebida por telefone. você não sabe o que significa sentir o cheiro da bebida por telefone, significa que a voz, que a língua, já não é igual.

Nas ruas de Lisboa, à la Bob Marley, Perivaldo se vira vendendo camisas e casacos usados

Camisas, camisetas, casacos, celulares e fones são alguns dos objetos que ele vende, mas sem muito sucesso com a clientela. A feira da Ladra é a mais antiga de Lisboa e é conhecida por vender todo tipo de produtos e de todas as qualidades. Todas as terças-feiras e sábados de manhã, Perivaldo chega na área carregando uma mala com tudo aquilo que reuniu durante a semana para ganhar uma grana. Mas, às vezes, sai de bolso vazio.

- O Perivaldo? O ex-jogador de futebol? Ele está por aí, deve estar na praça central porque ele nunca falha numa feira - comentava um vendedor de discos do mercado indicando para o largo principal, onde se encontrava o Peri da Pituba, como era chamado carinhosamente nos clubes por onde atuou no futebol brasileiro.

O vendedor

Já passava das 11h30m da manhã de sábado quando a reportagem encontrou Perivaldo chegando à feira.

- Você sabe que acordar cedo para mim é um problema - disse, brincando.

Depois, sempre se desculpava com um sorriso nos lábios enquanto arrumava suas coisas em cima de um plástico no chão.

- Eu vendo aquilo que pinta, roupa minha, coisas que me deram, celular, é isso aí. Às vezes venho para cá e ganho uns 300 euros, outras vezes não dá nem para ganhar um - explicou.

Enquanto negociava um casaco com um senhor que reclamava da sujeira do tecido, Peri da Pituba tentava ganhar o cliente.

- É só limpar, é só limpar - dizia Perivaldo, tentando convencê-lo, sem sucesso.

Sem contato com filhos e netos

Longe da família, o baiano diz ter mais amigos do que dinheiro e por isso escolheu vender na feira, para passar o tempo e jogar conversa fora.

- Vim aqui fazer compras uma vez e fui gostando, isso é mais uma 'higiene mental', serve para passar o tempo. Eu gosto de estar aqui. Todo mundo me conhece. Perivaldo daqui e brasuca dali, e o cara vai curtindo, sem chatice, fujo do estresse e é isso. Pronto! Eu gosto disso! Mas eu agora queria ver se voltava para o Brasil, queria muito assistir à Copa do Mundo, tenho lá os meus netos que nunca vi - relatou o baiano, que vive em Lisboa há 23 anos e diz nunca ter retornado à sua terra nesse período.

Convocado para a Seleção por Telê Santana em 1981, Perivaldo disse que vive em um quarto alugado no Centro da cidade e que paga o aluguel com algum dinheiro recebido da primeira esposa, que vive no interior de São Paulo e com quem retomou contato há 12 anos. Para o resto, afirma que se arranja como pode com algum dinheiro que vai ganhando na feira e também recebe um salário da Coreia do Sul, onde jogou futebol no fim da carreira, conheceu sua segunda esposa e teve um filho.

- Tenho 12 filhos. Tenho filho em Seul, em El Salvador, em São Paulo, na Bahia, no Rio de Janeiro no Ceará. Em todo o mundo. Eu não tenho filho, eu fiz filho - contou, sorrindo.

Primeiro à esquerda, no alto, Perivaldo no Botafogo de 1980: boas lembranças

Botafogo no coração

Dentro de campo, a maior saudade é da camisa alvinegra. Peri da Pituba foi revelado pelo Bahia nos anos 70 e estourou no Botafogo no início dos 80, indo depois em 1983 para o Palmeiras e, no ano seguinte, para o Bangu, antes de partir para o exterior.

- O Botafogo fez tudo por mim. A torcida me adorava porque eu marcava muitos gols. Era da defesa mas era artilheiro também. Tinha raça, treinava de manhã, à tarde e à noite. Disposição nunca me faltou. A torcida sabia que eu tinha raça e era lindo ouvir 70 mil pessoas gritando 1,2,3,4, 5 mil, quem não gostar do Perivaldo vai na Polícia do Rio, recordou Rei da Pirituba animando a feira.

Como jogador, as melhores recordações que Perivaldo guarda, além dos gols, foi a vitória do Botafogo sobre o Flamengo por 3 a 1 nas semifinais do Campeonato Brasileiro de 1981 - ele centrou na medida para Mendonça marcar o primeiro -, as vitórias no Campeonato Baiano com o Bahia em 1975 e 1976 e um amistoso com a seleção brasileira contra a antiga Tchecoslováquia no Morumbi, quando o então lateral-direito salvou um gol certo numa espetacular puxeta. Uma acrobacia que lhe rendeu a admiração de meio mundo e também o aproximou dos colegas Zico e Junior, que passaram a respeitá-lo, mesmo depois de ter provocado a expulsão do Galinho num clássico Botafogo x Flamengo.

- O Zico? Foi ele que esquentou a cabeça. Foi ele que se expulsou, o lance foi indiscreto, não dá para falar aqui não. Mas na Seleção os que mais me ajudaram foram ele e o Junior. E eram eles os que mais me detestavam em campo. Eles falavam que eu era chato, mas me ajudaram muito depois - continuou.

Do passado de jogador, Perivaldo não se importa de falar. Ri quando lembram dos momentos em que irritava a torcida com os centros por trás do gol. Fala também com alegria da boa disposição nos treinos aos gritos da torcida até a comparação com outros da posição. E o ex-lateral cita o capitão do tri mundial da Seleção Carlos Alberto Torres e Toninho Baiano, ex-Fla e Flu, na “eleição” do melhor brasileiro da posição.

- Só esses dois jogaram mais bola do que eu.

Hoje, o Rei da Pituba acompanha pouco o futebol e a seleção brasileira, mas sonha em assistir a um jogo da Copa no Brasil. Baiano de nascença e carioca de adoção, leva as duas cidades no coração e até no sotaque em que mistura as duas cadências ao sotaque luso. Mas é no Rio de Janeiro, onde a torcida mais o emocionou e onde disse ter vivido os melhores momentos de sua vida, que Perivaldo quer fazer sua última boa jogada.

- Rio de Janeiro é a minha terra, é lá que eu vou encerrar a minha vida. E não é um sonho, é realidade mesmo. 

'Operação Peri': filho negocia retorno do ex-lateral da Seleção ao Brasil

Ex-jogador do Bahia, Botafogo e Bangu, é morador de rua em Portugal

O drama do ex-lateral da Seleção Brasileira Perivaldo, que é morador de rua em Portugal, pode estar perto do fim. Depois de ter sua situação mostrada pelo Fantástico, no último domingo, o ex-atleta do Bahia, Botafogo e da Seleção deve voltar ao Brasil ao breve.

Um dos filhos do ex-jogador, Marcelo Sampaio Dantas revelou planos para trazer o pai de volta ao seu país de origem. Segundo Marcelo, que assim como o pai é ex-jogador de futebol, a ideia é visitar Perivaldo em Portugal e “preparar o terreno” para o seu retorno ao Brasil.

- Ainda não posso dizer que tem uma definição de quando ele vem, mas há uma mobilização. Estou em contato com o Alfredo [Sampaio, presidente do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol do Rio de Janeiro], e ele ficou de mobilizar algo. Estamos nos falando, e estou no aguardo de um novo contato. Eu gostaria de ir pessoalmente a Portugal para preparar o terreno em todos os sentidos. É uma questão que não envolve apenas o Perivaldo jogador. Envolve o Perivaldo homem. Temos que fazer um trabalho de excelência para que a volta dele não seja um problema e, sim, uma solução – disse o filho do jogador, que vive em Fortaleza, no Ceará.

Perivaldo, ex-jogador da Seleção, vive nas ruas de Portugal

Nesta segunda-feira, Alfredo Sampaio conversou com Perivaldo, por telefone. Segundo Sampaio, que também é vice-presidente da Federação Nacional dos Atletas de Futebol (Fenapaf ), Perivaldo reforçou o desejo de voltar ao Brasil.

- Eu conversei com o Perivaldo nesta segunda-feira, e ele voltou a falar que quer voltar ao Brasil. O desejo dele é morar no Rio de Janeiro, que onde ele conhece todo mundo. Agora eu vou voltar a falar com o Marcelo, e vamos decidir essa logística para trazer o Perivaldo de volta. O Marcelo me disse que quer ir a Portugal conversar com o pai, então vamos ver essa situação e combinar o que é melhor para o Perivaldo. Temos que saber o que ele quer e depois montar a logística para que tenha boas condições a partir da volta – explicou o dirigente.

Segundo o filho de Perivaldo, que no Bahia ganhou o apelido de ‘Peri da Pituba’, a ideia é que o ex-jogador more no Rio a partir de um trabalho social desenvolvido pela Fenapaf.

- O Alfredo me falou sobre um projeto que vai ajudar jogadores que estão nessa mesma situação. A ideia é que fiquem em uma casa com essa ajuda do Sindicato e da Federação – disse o filho do ex-jogador.

Segundo Marcelo, a situação do pai não foi tão surpreendente para ele quanto para as demais pessoas da família. Marcelo conta que, há dez anos, visitou o pai em Portugal e, já naquela época, tinha percebido dificuldades financeiras.

- Foi surpreendente porque foi dessa forma, mas não tão impactante, porque eu vi com meus próprios olhos há dez anos a situação dele. Eu joguei na Suécia e vi pessoalmente que ele perdeu tudo. Ele morava com uma senhora em um cortiço, mas também não estava na situação em que está hoje, dormindo na rua. As pessoas acham que, porque está na Europa, a pessoa está bem, mas não é assim. O que não falta na Europa é brasileiro penando e pedindo pelas ruas – lamentou Marcelo.

- Mas estou esperançoso com esse reencontro. É algo que planejo há algum tempo. Meus filhos estão crescidos e imagino eles se abraçando. Espero que ele possa ter essa reviravolta na vida dele – disse o filho.

Há quilômetros de distância de Forteleza, e ainda mais de Portugal, os irmãos de Perivaldo vivem em Itabuna, terra natal do ex-atleta, no interior da Bahia. A família se mostrou surpresa com a situação, mas sem deixar de lado a mesma esperança do filho do ex-jogador: um recomeço na vida de 'Peri da Pituba'.

- Não sabemos muita coisa. Ficamos sabemos pela televisão. Sabemos que o Marcelo está tentando resolver. Do lado de cá, estamos esperando e mantendo a certeza de que Deus vai ajudar a ajeitar as coisas, e ele voltar para o Brasil para recomeçar – diz Noélia Dantas, irmã do ex-jogador.

Perivaldo, ex-jogador da Seleção (Foto: Imagens/TV Bahia)

Perivaldo vestiu a camisa da Seleção no começo da década de 80


Fonte: Cláudia Garcia, especial GE.COM e Eric Luis Carvalho/GE.COM

Foto: Infoesporte - Jorge Marinho/Agência O Globo - Imagens/TV Globo