Postado por - Newton Duarte

Torcedores ou coxinhas? A melancólica geração criada numa bolha e que detesta estádio

Torcedores ou coxinhas? A melancólica geração criada numa bolha e que detesta estádio

Em novembro de 2014, a revista Placar teve uma participação minha, com o "Manual da Arbitragem à Brasileira" — clique aqui para ler. Mas me chamou a atenção outro texto, sobre pequenos torcedores de times europeus, sem paixão por clubes brasileiros.

Na matéria, os pais dessas crianças defendiam o estímulo a gerações estilo "Zé Poltrona". Eles se apóiam em argumentos típicos dos comodistas (em alguns casos elitistas também), como "segurança e conforto", mesmo que isso nos custe a alma.

Rotineiro nesses tempos em que as pessoas se encastelam em condomínios. Tempos de uma classe média que jamais coloca os pés na calçada — só deixam seus prédios de carro para os estacionamentos do trabalho, do shopping etc. São os "Zé Rodinha".

Na matéria, um garotinho de 8 anos diz que achou "chato" ver o Corinthians no Pacaembu: "Não tinha nada para fazer além de ver o jogo". Já o pai de gêmeos que só vêem(?) os jogos grudados em tablets(!) usa muletas para justificar o fato de ELE não querer levá-los: "Os meninos têm medo de ir ao estádio. Acham perigoso. Ouvem muitos palavrões". Mesmo? No colégio moleques não falam palavrões?

Reportagem na edição de novembro de 2014 da revista Placar: pequenos e distantes torcedores

Reportagem na edição de novembro de 2014 de Placar: pequenos e distantes torcedores - Reprodução

No meu tempo falavam, nos jogos de futebol inclusive. Não creio que isso tenha mudado. Sim, eu levo meus filhos ao estádio. Perigoso? No Brasil perigoso é sair às ruas e se pensarmos assim não iremos ao trabalho, à escola. E não é a insegurança do dia-a-dia que vai me convencer a abandonar arquibancada.

Esses pais que defendem tal tese podem ser vistos de duas formas: gente que não tem a mínima paixão pelo futebol e que, antes de tudo, cria seus filhos numa bolha. E assim privam os pequenos da experiência maravilhosa que é sair de casa para torcer.

Respeito o direito de cada um fazer o que bem entender, mas incomoda ver crianças induzidas a detestar templos do futebol, a viveram longe das arquibancadas. Nada contra terem times europeus de preferência. Mas admiração restrista a clubes da Europa? Crianças que dizem gostar de futebol e não curtem ir ao estádio. É como o sujeito muito religioso que odeia ir à igreja.

Dá pena ver aqueles meninos e meninas nas páginas de Placar limitando sua admiração a times fisicamente distantes com tantas camisas pesadas por aqui. Os meus, ainda bem, independentemente de eventual predileção por clubes europeus, natural na geração deles; têm os seus aqui bem perto e com local preferencial em seus corações.

O pai, depois de velho, descobriu uma paixão internacional. Sim, hoje o Racing Club me proporciona, de longe ou indo à Argentina, a chance de reviver meus melhores momentos com o futebol. Aqueles nos quais podia torcer livremente, sem os impedimentos e limitações que a profissão impõe.

Mas minha história foi forjada em arquibancadas. E na geral do velho Maracanã. Guardo isso com orgulho. Sei que os tempos são outros e que meus herdeiros não terão as mesmas oportunidades, a mesma liberdade. O mundo mudou. O futebol mudou. Mas ainda é possível, positivo e incomparável ver o seu time de perto. Na cancha!

Azar de quem nunca sentiu isso. Uma pena para quem é filho dessas pessoas que desconhecem o que é o amor pelo futebol, o amor por um time. Para compensar, na mesma edição de Placar me emocionei com a belíssima tirinha (abaixo) de Milton Trajano, homenageando o pai, que morreu no mês anterior ao da publicação.

Lembrei do meu velho, que me levou à arquibancada pela mão nas primeiras vezes. Muitas saudades. Também me senti vingado folheando a mesma edição da revista que tanto colaborou na minha catequese futebolística. Coxinhas!