Postado por - Newton Duarte

Torcida do Grêmio se arma politicamente dentro do clube

Dominou Geral: Torcida gremista se arma politicamente dentro do clube

Principal organizada do Grêmio conta com benesses e cadeiras no Conselho Deliberativo

La Doce, torcida do Boca Juniors

A Geral é uma das torcidas do Grêmio

Inspirada no estilo argentino de torcer, a Geral do Grêmio nasceu em 2001, com a ideia de mudar a história do clube na arquibancada. Na época chamada de Alma Castelhana, a organizada tinha um estilo inovador para os padrões brasileiros, com trapos, bandeiras, músicas criativas e cantorias intermináveis. Assim, rapidamente, a torcida conquistou a simpatia do país, virando uma espécie de marca registrada da metade azul do Rio Grande do Sul. Mas, por trás de uma aparente espontaneidade, seus líderes — frequentadores antigos de organizadas do Estádio Olímpico, como Torcida Jovem e Super Raça — tinham um projeto ambicioso de poder, que pretendia eleger conselheiros, diretores e até chegar à presidência, como revelou à PLACAR um ex-integrante da linha de frente e conhecedor dos planos, traçados em meio a muita bebedeira em 2010, em um bar da Avenida Independência, em Porto Alegre.

Parcialmente, a Geral já atingiu uma de suas metas. Com as novas cadeiras obtidas nas últimas eleições do clube, em 2013, já chega a 17 o número de integrantes do seu núcleo diretivo empossados entre os 300 membros do Conselho Deliberativo tricolor. Um deles é Bruno Pisoni, o “Cabeludo”. Braço-direito do líder da Geral, Rodrigo Rysdyk — conhecido como Alemão —, 35 anos, Pisoni é uma espécie de escudeiro do chefe. No episódio de racismo envolvendo o goleiro Aranha, do Santos, Cabeludo e Alemão prestaram depoimento à Polícia Civil em nome dos quase 5.000 fanáticos que costumam militar atrás de uma das metas da Arena.

Bruno Pissoni, o “Cabeludo”, um de seus 17 membros do Conselho

Bruno Pissoni, o “Cabeludo”, um de seus 17 membros do Conselho

Embora não fizesse parte da Geral, Patrícia Moreira da Silva, a mulher flagrada pelas câmeras da ESPN pronunciando a palavra “macaco”, frequentava a área ocupada pela organizada.

Agora o foco é fazer parte da direção. A cartilha política copia a La Doce, barra brava do Boca Juniors, a maior da Argentina, que desde os anos 1960 alia violência nas ruas, domínio absoluto na arquibancada e relacionamento visceral com cartolas e jogadores. Alemão é o idealizador do projeto. Após a morte do seu maior desafeto, Cristiano Roballo Brum, conhecido como Zóio, em um acidente de moto em março deste ano em Campinas (SP), ele consolidou-se definitivamente como a figura máxima da Geral. O sucesso do crescimento político da torcida é ancorado em três “times”: o da pista, que não raramente envolve-se em brigas com rivais ou desafetos; o do alento, que cuida da mobilização dentro do estádio; e o dos negócios, que pressiona a direção por regalias — ingressos de graça para revenda, ônibus para excursões e viagens pagas de avião para os líderes, junto com a delegação do time. “A Geral sempre almejou chegar ao poder e tomar conta do Grêmio. A La Doce é o grande exemplo para o Alemão. Desde 2001, ele quer tornar a Geral ‘funcionária’ do clube, e ganhou espaço ao longo dos anos”, conta um ex-integrante da torcida ouvido por PLACAR.

Barulho da Geral era maior no Olímpico, mas influência na diretoria reservou lugar sem cadeiras na nova Arena do Grêmio

Barulho da Geral era maior no Olímpico, mas influência na diretoria reservou lugar sem cadeiras na nova Arena do Grêmio

O ápice da relação com a diretoria tricolor aconteceu em 2005, quando o Grêmio disputava a série B do Campeonato Brasileiro e precisava da massa. Naquela época, a Geral passou de uma torcida que dava espetáculo para um movimento forte o suficiente para influenciar nos bastidores, dentro e fora do campo. “Era explícito. Durante a semana, emfrente ao bar Preliminar [no bairro da Azenha, ao lado do estádio Olímpico], os diretores do Grêmio encontravam-se com os líderes e faziam negócios. Em troca de ingressos, a Geral vendia sua imagem para o Paulo Odone [então presidente, hoje deputado estadual não reeleito pelo PPS] para ele usar como quisesse, como se fosse um direito de imagem”, detalha o ex-membro, que pediu anonimato a PLACAR, temendo represálias. Entre os dirigentes, segundo ele, estaria Renato Moreira, atual vice-presidente na gestão de Fábio Koff, que nega envolvimento com a organizada.

Paulo Odone (à esq.) aliou-se à Geral para vencer a eleição para presidente e construir a Arena; Fábio Koff (ao seu lado) rompeu a relação com o grupo

Paulo Odone (à esq.) aliou-se à Geral para vencer a eleição para presidente e construir a Arena; Fábio Koff (ao seu lado) rompeu a relação com o grupo

“Eu nunca viajei com esses integrantes da Geral, nunca tive relação com eles na época em que era vice-presidente de futebol. Se o Paulo Odone deu regalias, isso é problema dele, não meu. Eu desafo qualquer pessoa a mostrar meu envolvimento com a Geral. É um absurdo me vincular a essa torcida”, afirma Moreira.

Os anos seguintes ajudaram ai fortalecer ainda mais o nome da Geral. O Grêmio voltou à série A de forma heroica contra o Náutico, em 2005, fez boa campanha no Brasileirão de 2006 e chegou ao vicecampeonato da Libertadores em 2007 e do Brasileiro em 2008, sempre embalado por seus cânticos. A Geral percebeu, então, que tinha conquistado um poder real e, mais do que isso, havia possibilidade de ampliá-lo. Para isso, seria necessário entrar para valer na política do clube.

A volta de Paulo Odone à disputa da presidência em 2010, com o sonho da Arena, era tudo que a organizada precisava para dar o novo passo. Mas o dirigente teria de retribuir com uma mão para receber com a outra. Apoiado pela Geral, ele retornou ao comando do Grêmio e, logo depois, elegeu-se deputado estadual. A recompensa? Um setor sem cadeiras para a Geral comandar atrás do gol do novo estádio, além de benefícios mensais de quase 40.000 reais.

Torcida exigiu um espaço sem cadeiras no novo estádio do clube

Torcida exigiu um espaço sem cadeiras no novo estádio do clube

“Ele cumpriu com a palavra. Mas a transição para a Arena, por outro lado, enfraqueceu a Geral, porque no Olímpico todo o entorno era dominado. Vários bares eram nossos [estavam sob controle da organizada], e estávamos no mesmo ponto de concentração em todas as partidas”, diz o ex-integrante da linha de frente.

Entre janeiro de 2011 e dezembro de 2012, a direção de Odone entregou 1,1 milhão de reais para chefes de organizadas, 85% do montante para a Geral, segundo reportagem publicada pelo jornal gaúcho Zero Hora, que teve acesso a documentos do clube. Na época, Zóio admitiu à reportagem do jornal que se sustentava com o dinheiro do clube, enquanto Alemão e Cabeludo negaram o uso dos valores para proveito pessoal.

O ingresso de grandes somas no caixa da torcida deu início a disputas internas pelo poder e, claro, pelo dinheiro vindo do clube. Os resultados fracos em campo, aliados às brigas frequentes dentro da própria torcida, começaram a minar a imagem da Geral diante dos demais frequentadores do Olímpico, ao mesmo tempo que a Arena começava a ser erguida e um novo tempo era anunciado.

Nesse ambiente, o gremista comum começou a se questionar sobre as intenções da Geral, e o ressurgimento do lendário presidente Fábio Koff (campeão da Libertadores e do mundo em 1983) barrou a ascensão da organizada. Durante a campanha para o cargo, o ex-presidente do Clube dos 13 chegou a anunciar publicamente que cortaria os benefícios da Geral e acabou hostilizado. Mesmo assim, venceu com 57,5% dos votos.

Com a recente exclusão da equipe da Copa do Brasil devido aos incidentes racistas na partida contra o Santos, em agosto, e uma série de confusões nos últimos meses entre os membros da Geral, Koff suspendeu por tempo indeterminado o ingresso da organizada na Arena. A gota d’água foi a insistência da torcida em cânticos que incluíam a palavra “macaco”, em referência aos rivais colorados, na partida contra o Bahia, pelo Brasileirão, no jogo seguinte ao do fatídico caso de racismo, contra o Santos. Além da suspensão, Koff ainda proibiu o uso da marca do clube por parte da torcida e garantiu o empenho na busca de identificação e punição de possíveis sócios envolvidos em episódios de racismo.

O retorno de Aranha, alvo de ofensas racistas, ao estádio gaúcho

O retorno de Aranha, alvo de ofensas racistas, ao estádio gaúcho

O pulso frme do atual presidente será testado no próximo pleito, quando ele tentará eleger o sucessor Romildo Bolzan Júnior, que concorrerá com Homero Bellini Júnior, do Movimento Grêmio Independente — que conta em seus quadros com vários sócios da Geral. Atual vice-presidente, Bolzan demonstrou irritação com o que chamou de “provocação” por parte da Geral, que insistia no cântico considerado racista mesmo com o clube ameaçado de exclusão da Copa do Brasil, o que viria a ser confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). “A Geral está associada ao Grêmio, mas, neste momento, não é mais Geral do Grêmio”, afrmou, em entrevista à Rádio Bandeirantes. Procurados, o presidente do Grêmio, Fábio Koff, e o ex-presidente Paulo Odone não quiseram manifestar-se sobre o assunto.

Já Bellini, que em 2013 se aliou à Geral, endossando o ingresso de membros da torcida no Conselho Deliberativo do Grêmio, afirma que “a união foi pontual, para aquela eleição” e garante que não terá apoio da organizada na nova disputa pela presidência do clube. “A Geral não está nos apoiando. Nenhuma torcida organizada participa da nossa campanha. E, se eu ganhar a eleição, nenhuma torcida terá privilégio algum”, diz.

Mesmo que ainda não tenha chegado à presidência, a Geral já mostra que a presidência do Grêmio, de alguma forma, passa — ou em algum momento passou — por ela.

OS TENTÁCULOS DA GERAL

A Origem

A Geral surgiu em 2001

A Geral surgiu em 2001

Surgiu em 2001, como Alma Castelhana. Ganhou força na série B em 2005. Na política do clube, a Geral participa desde 2010, por meio do movimento Grêmio Independente. Em reuniões semanais no bairro Floresta, a torcida desenhou o plano de entrar para o conselho do clube.

Como a torcida se organiza

Torcida tem uma organização

Torcida tem uma organização

Time da Pista

Faz o nome da torcida fora de campo com brigas contra outras facções e organizadas de outros clubes.

Time do Alento

É composto pelos maestros da banda e pelos organizadores da festa nas arquibancadas.

Time dos Negócios

São os responsáveis pelas conversas com a direção do clube. Normalmente, dois ou três dirigentes são destacados para as negociações.

As negociações entre torcida e clube

Bar Preliminar é ponto de encontro dos organizados

Bar Preliminar é ponto de encontro dos organizados

1 - Quando os jogos eram realizados no Olímpico, os encontros aconteciam durante a semana, em frente ao bar Preliminar.

2 - Lá, os negócios eram feitos: em troca de ingressos, a Geral vendia sua imagem para a diretoria de então, sob o comando de Paulo Odone.

3 - Havia acordos para a Geral viajar de avião para apoiar o time em vários locais, bancados pelo clube.

4 - Na Arena, a Geral exigiu espaço sem cadeira dentro do estádio para executar a famosa avalanche. Odone cumpriu a promessa, mas a mudança geográfica enfraqueceu a torcida, que deixou de dominar o entorno. A concentração, menor, hoje é no Bar do Ito.

Torcida ainda se concentra no Bar do Ito

Torcida ainda se concentra no Bar do Ito

“Sou mais útil na arquibacanda”

Líder da Geral, Rodrigo Rysdyk, o Alemão, diz que não tem pretensão de ser presidente do clube: “Não tenho a cancha necessária”

Rodrigo Rysdyk é o líder da Geral

Rodrigo Rysdyk é o líder da Geral

Tem a pretensão de um dia ser presidente do Grêmio?

Não tenho condições de ser presidente do Grêmio. Não tenho capacidade de gerir um clube do tamanho do Grêmio. Não tenho a menor condição. Para ser presidente do Grêmio, tem de ter conhecimento de administração, conhecimento jurídico. Não tenho o estudo, a cancha necessária para chegar lá. Se tivesse, de repente abraçava.

Olha, sou muito mais útil ao Grêmio na arquibancada. Por que vou me meter a fazer uma coisa que não sei?

Com vê a participação da Geral na política do Grêmio?

Somos uma torcida que cuida das questões da arquibancada. A função da Geral é torcer. A Geral não se mete em política. As pessoas que se interessam por política e que querem participar da administração, entrar mais a fundo na direção do Grêmio, participam de grupos políticos. A Geral é do presidente que está administrando o clube. Hoje a geral é do Koff. Amanhã será de quem estiver na presidência. Geral tem de ajudar o presidente do clube.

Como consegue se manter à frente da Geral depois de tanto tempo? Quais são suas características como líder?

Basicamente, ser amigo do pessoal. A amizade e o gremismo são as coisas que mantêm o cara numa posição em que o pessoal confia.

Porque, se não confiassem, olha quantos boatos já lançaram sobre a minha pessoa. Que a torcida ganhou rios de dinheiro... Se acontecesse tudo isso aí, as pessoas já tinham me tirado ou não participariam mais da torcida. E é o contrário. Mais amigos eu faço a cada dia.

A Geral ainda recebe algum benefício do Grêmio?

Não. Nada. E a Geral segue viajando. Cada um tem o seu dinheiro, se faz um rateio. Daqui a pouco, um que tem disponibilidade, não vai trabalhar, vai e leva a bandeira da torcida.

“A La Doce do Boca é o exemplo”

Ex-linha de frente de organizada gremista, que participou ativamente da cúpula da torcida entre 2004 e 2008 e mantém contato permanente com os líderes, diz qual é o plano: igualar no Grêmio o poder da torcida argentina

La Doce, torcida do Boca Juniors

La Doce, torcida do Boca Juniors

Além do espetáculo e da festa em campo, onde a Geral do Grêmio quer chegar?

A Geral sempre quis chegar ao poder e tomar conta do Grêmio. A La Doce, do Boca, foi o exemplo para o Alemão.

E eles [a cúpula], conhecendo a história da La Doce, quiseram reproduzir isso aqui. Eles queriam crescer como torcida e integrar o clube.

Como funciona o esquema com a direção?

Sempre foi muito explícito, nunca houve dificuldade de enxergar. Na época do estádio Olímpico, em frente ao bar Preliminar, os diretores do Grêmio se encontravam com os líderes da torcida durante a semana, quando não tinha muito movimento. Ali os negócios eram feitos. Muitos amigos iam de avião, bancados pelo Grêmio.

Em qual momento a Geral entrou de vez no clube?

A partir de quando o Grêmio disputou a série B [em 2005].

Ali a Geral cresceu muito como torcida dentro do campo e com brigas na rua. O Grêmio viveu uma fase muito boa na sequência, e logo em seguida começou muito forte, em 2010, o movimento Grêmio Independente, que era um movimento político do qual muitos torcedores da Geral participavam. Aconteciam reuniões semanais em um bar no bairro Floresta, e ali a torcida começou a planejar entrar para o conselho do clube. Eles queriam tirar os dinossauros lá de dentro e trazer novas ideias. A Geral hoje conseguiu esse objetivo e olha mais para a frente.

Você participava dessas reuniões? O que se falava?

Sim, sim, de várias. O objetivo sempre foi o crescimento da torcida e conquistar influência no clube, para depois dar outros passos – eleger um diretor e ir até mais longe.

Até a presidência?

Pode ser que isso aconteça. A passos largos, a Geral – apesar de ter se queimado bastante nos últimos meses — está caminhando para isso.

Os diretores do Grêmio têm medo da Geral? Ou eles se aproveitam da torcida para ter ganhos pessoais?

Eles veem vantagem de ter a Geral do lado e também têm um pouco de medo, porque a Geral sempre teve muitos bandidos lá dentro. Uns caras que andam armados e fazem serviço sujo. Os diretores têm medo de chutar a Geral porque estão lidando com negociadores brabos.

Por que você resolveu abandonar a Geral?

Muitas coisas, mas a principal delas foi um dia que achei que ia morrer em uma briga feia. Naquele dia tive um lampejo de que poderia ter apanhado muito e até morrido na rua.

A Geral exigiu um espaço próprio na Arena? Como foi isso?

Começou com o sonho que o Paulo Odone vendeu para a torcida de criar uma arena, e a Geral o apoiou na eleição para presidente do clube e deputado estadual. E ele construiu a Arena e naquele momento a Geral exigiu um espaço sem cadeira. Ele cumpriu a palavra dele. Mas a transição para a Arena, por outro lado, enfraqueceu a torcida, porque no Olímpico ela tinha todo o entorno dominado. No Olímpico sabia tudo o que fazer, a Brigada Militar [a PM gaúcha] não era tão incisiva. Na Arena virou um big brother, câmeras para todo lado, a cantoria mais fraca, o estádio mais vazio por ser maior.