Postado por - Newton Duarte

Union Berlin: O melhor dos piores ou o pior dos melhores, crescer pra quê?

Union Berlin: O melhor dos piores ou o pior dos melhores, crescer pra quê?

20130920_182806

Já perto do final da sofrida campanha do Vitória de retorno à Série A, no ano passado, meu pai desabafou após mais uma derrota, brincando: “Pra que se esforçar tanto pra subir se vai acabar apanhando de todo mundo na primeirona? Não é melhor ser grande na Série B e bater na trave todo ano?”

No fim das contas, o Leão, qual aquele pênalti de Bellone em 86, bateu na trave, nas costas do goleiro e entrou, separado do quinto lugar – o São Caetano – por apenas uma vitória. Um ano depois, com o Vitória em boa fase (ao menos dentro de campo), seria fácil descartar a observação de meu sábio pai como derrotista ou exagerada.

Mas a questão ainda me intriga: haverá situações em que é melhor, para um time, acomodar-se a umstatus menor em uma liga mais fraca e barata em vez de buscar a ascensão e as vitórias a todo custo? A resposta fácil parece ser um sonoro “não” – vencer é, afinal, a razão da existência de um clube -, mas quem observa a trajetória recente do Union Berlin conclui que pode haver bastante sabedoria no acanhamento.

Clube da Floresta

Torcedores precisam caminhar por uma floresta para chegar ao estádio do Union Berlin
20130920_180412

Crescer parece inevitável para o Union, o simpático clube que manda seus jogos no meio de uma floresta. Por estranho que pareça, a metrópole que se tornou, no Séc. XX, o símbolo máximo de um mundo dividido, transformou-se, a partir dos anos 90, em uma cidade de um clube só. A queda do muro trouxe o “fim da história” ao cenário futebolístico de Berlim, e o outrora glorioso Hertha BSC – confinado a quatro décadas de mediocridade durante as quais Berlim ocidental não passava de um enclave, pobre e decadente, mantido à força pelas potências ocidentais – prometia unificar a cidade e anunciar ao mundo (ou, pelo menos, ao resto da Alemanha): Berlin is back, bitches.

O outro grande clube da cidade era o BFC Dynamo, um time que representava tudo o que havia dado errado na metade socialista da cidade. Violência, autoritarismo e corrupção eram as características mais freqüentemente associadas aos Hohenschönhauseners, que contavam com a simpatia da polícia política – a STASI -, e, por conseguinte, também da arbitragem. Paradoxalmente, o amplo domínio do Dynamo – decacampeão da Alemanha Oriental entre 1978 e 1987 – transformou-se, na Alemanha reunificada, em sua sentença de morte: contagiados pelo novo clima, a imensa maioria dos torcedores desertou o clube, que hoje joga a quinta divisão e pena para manter as portas abertas (leia mais sobre o BFC Dynamo aqui).

É nesse vácuo que se encontra a grande esperança de crescimento do Union. Embora originário da suburbana Oberschöneweide, na metade oriental de Berlim, o Union escapa a qualquer tipo de associação com o odiado socialismo do SED (Partido Socialista Unificado da Alemanha). Até 1990 era considerado, pelo contrário, o clube civil e rebelde da cidade, sem laços com a polícia, com o exército ou com o poderoso sindicato dos ferroviários. Tal como o Camp Nou sob Franco, o Stadion an der Alten Försterei (Estádio Perto do Prédio da Guarda Florestal, em tradução livre) passou a reunir críticos do regime. A cada falta a favor do Union, os torcedores gritavam, protegidos pelo duplo sentido, “Die Mauer muss weg!” (“A barreira/o muro tem que cair!”).

O muro de fato caiu, mas os resultados imediatos para o clube não foram os melhores. O Union sofreu o impacto imediato da competição com clubes do lado ocidental, mais profissionais e melhor administrados, e passou a disputar as pequenas ligas regionais que equivalem à quarta e à quinta divisões alemãs. As crises financeiras sucediam-se, com sérias ameaças de fechamento a cada quatro ou cinco anos.

20130920_182806

Union no sangue

A salvação do clube foi a paixão de sua torcida, que a fazia disposta até a dar sangue pelo time. Literalmente: em 2004, uma campanha para salvar o Union resultou na doação de milhares de litros de sangue ao sistema de saúde da cidade. O dinheiro com o qual os bancos de sangue berlinenses compensam os doadores ia direto para os cofres do clube, que pôde, assim, respirar. Em 2008, com a acensão à segunda divisão, o Alte Försterei precisava ser modernizado ao menor custo possível. Sem problema: a torcida organizou um mutirão e doou, coletivamente, mais de 140 mil horas de trabalho ao clube.

O estádio resultante, perdido em um pequeno bosque no subúrbio de Köpenick, é de fazer inveja à maioria dos clubes médios brasileiros. O gramado é excelente e as instalações são modernas, a não ser por um aspecto: foram instalados pouco mais de 3 mil assentos (de uma capacidade de pouco mais de 20 mil), o mínimo exigido pela Bundesliga. Todos os outros lugares são “Stehplätze”, com torcedores em pé durante todo o jogo. A animação da torcida, que canta sem parar e incentiva o time na vitória e na derrota, prova que a decisão foi acertada.

Confira também:

Liga dos Campeões - Classificação – Tabela e Regulamento

Tabela interativa da Série A com atualização online

Os melhores vídeos – YouTube União Tricolor Bahia

Acontece que esse estádio, feito não apenas ao gosto como também pelos torcedores históricos, dispõe agora de camarotes e lounges vip. O sentido de comunhão com a torcida se vê ameaçado à medida que o clube se torna o novo xodó dos boleiros hipsters, um posto incontestavelmente ocupado, até aqui, pelo St. Pauli, de Hamburgo. A bíblia do hipsterismo futebolístico da Alemanha, a excelente ElfFreunde, dedicou sua capa de março ao Union, com a indagação: “Um modelo para todos?”

Boa parte da torcida do Union torce o nariz para as tentativas de transformação do clube em um time de nicho. Embora liberal, o clube se orgulha de suas raízes no Leste e dos fortes laços entre o Union e a comunidade local

Um dos versos do bonito hino do clube – cantado por ninguém menos do que a eterna “Garota de Berlim”, a hoje sessentona Nina Hagen – diz que o Union é o time “que não se deixa comprar pelo Oeste”.

Ao observar o que aconteceu com o St. Pauli, que alienou parte de sua antiga base punk-gay-pornô-anarquista ao abrir os portões do Millerntor às exigências comerciais da Bundesliga – e foi imediatamente rebaixado -, o torcedor do Union se pergunta, como meu pai sobre o Vitória: “valerá à pena?”


Fonte e fotos: Daniel Lisboa - Blog Esporte Fino – Carta Capital

*Daniel Lisbôa, 31 anos, é baiano de Itabuna, jornalista de formação e bateu o pé: só vai embora de Berlim após a final da Champions League de 2015, no Olympiastadion.