Veto da Fifa a investidores pode trazer caos ao futebol brasileiro
Oitenta por cento dos jogadores da Série A não teriam condições de jogo se medida fosse implantada imediatamente. Um dos efeitos colaterais é êxodo de craques para o exterior
De acordo com E.C. Bahia, Anderson Talisca tinha seus direitos repatidos em 140%
A decisão da Fifa de proibir a participação de investidores nos direitos econômicos de atletas terá um enorme impacto sobre o futebol no Brasil. Se a regra fosse imposta imediatamente, por exemplo, o caos se instalaria no Campeonato Brasileiro.
“Oitenta por cento dos jogadores da Série A não teriam condições de jogo, e o campeonato pararia agora. Isso é uma realidade”, afirmou ao iG Esporte o advogado Marcos Motta, membro do grupo técnico escolhido pela Fifa para definir como será o processo de retirada dos investidores.
“São os investidores os principais financiadores das compras de direitos econômicos pelos clubes brasileiros, já que esses estão praticamente sem capacidade de investimento em função de sua delicada situação financeira”, analisou Fernando Ferreira, economista e diretor da Pluri Consultoria.
Para se ter uma ideia, o meia Paulo Henrique Ganso tem seus direitos econômicos divididos entre o São Paulo (38%) e o grupo de investimentos DIS (62%). Sem a ajuda dos empresários, um dos efeitos colaterais é que seria inviável manter este jogador, cujo salário é de R$ 350 mil, atuando no Brasil.
“Os jogadores mais valorizados tendem a ir para o exterior. Sem recursos para investir, haverá um aumento da presença de jogadores vindos das categorias de base dos clubes, o que por si só também deve provocar um ‘encarecimento’ deste tipo de atleta”, prosseguiu Ferreira em seu estudo.
Os investidores, como era de se esperar, reclamam da medida. A avaliação deles, porém, é idêntica à de Motta e Ferreira. Roberto Moreno, diretor-executivo da DIS, que tem participação em direitos econômicos de 110 jogadores, vê tal medida como “muito ruim para todo o futebol”.
“Hoje os empresários e fundos são verdadeiros parceiros dos times, pois acabam ajudando na administração e para trazer atletas que possam gerar receitas. No momento em que a gente deixar de fazer isso, os times não vão mais ter como fazer contratações de grandes atletas, e cada vez mais cedo os atletas brasileiros vão ser transferidos para o exterior. Os clubes estão muito deficitários, e a gente não vai mais conseguir ajudar eles”, disse Moreno ao iG Esporte.
“Acredito que a adaptação dos times de futebol não vai ser tão fácil e vai demorar muito. Principalmente porque hoje nós temos uma lei de responsabilidade fiscal, e o presidente do clube pode ser responsabilizado civilmente com o próprio patrimônio em caso de má gestão. Então, ninguém vai querer perder seu patrimônio, não vai ter má gestão e vai ter um time medíocre. Vai nivelar por baixo. É óbvio que a tendência vai ser os preços diminuírem muito, acontecerem mais permutas de jogadores, mas isso aqui é muito a longo prazo. E vai ser difícil sobreviver”, prosseguiu o investidor.
Valorização da base e mudança na Lei Pelé
Para que esse cenário pessimista não se confirme, uma atitude fundamental das equipes de futebol será valorizar suas categorias de base. Tanto na visão do advogado quanto na do investidor, isso passa diretamente por melhores administrações e também por uma reforma na Lei Pelé.
“É preciso o fortalecimento das divisões de base mais a revisão de mecanismos de proteção do clube formador. Há a necessidade de uma conjugação de medidas: aprovação da lei de responsabilidade fiscal do esporte, que vai de alguma forma ser uma linha de corte para que clubes possam respirar no futuro administrando o passado; uma proposta de revisão da Lei Pelé no sentido de proteção ainda maior ao clube formador; e, obviamente, o fortalecimento do futebol brasileiro como um todo”, falou Motta.
Fifa quer acabar com casos como o de Cléber: investimento pontual e clube sem nenhum centavo
“Eu sou contra a antiga legislação, da Lei do Passe, que deixava o atleta como um verdadeiro escravo do time. Sou totalmente contra. A Lei Pelé já foi um avanço, mas tem algumas coisas que são muito ruins. Por exemplo, traz um ônus muito grande para o time formador”, concordou Moreno.
E o risco aos clubes se nada mudar no que se refere à gestão esportiva é claro: voltar ao tempo em que o futebol brasileiro era refém do dinheiro europeu.
“Será difícil suportar a pressão e a capacidade financeira de clubes europeus sem ajuda de investidores. Vamos voltar como era há sete ou oito anos, quando o clube europeu chegava com um punhado de dólares e levava uma promessa brasileira. Isso pode voltar a acontecer. Porque os clubes não estão mais oxigenados com a ajuda dos investidores para conseguir melhor condição de mercado”, previu Motta.
Clube com visão míope pode se dar mal
A Fifa, no entanto, não tem intenção de radicalizar e mudar as regras da noite para o dia. Estudos estão em andamento, e a expectativa é de que as novas normas sejam regulamentadas até março de 2015. A ideia é que o prazo para aplicação seja de três a cinco anos, justamente para que os times passem por um período de transição. Mas isso não pode servir de desculpa para os clubes continuarem com a política atual como se nada tivesse mudado.
“Num primeiro momento, pode ter um impacto muito grande tecnicamente. Seria um impacto imediato, e a Fifa está sensível a isso, por isso que não tem interesse nenhum em, com uma canetada, implementar essa regra a partir de segunda-feira que vem. Ela sabe da necessidade de um período de transição suave para que não haja um colapso do futebol sul-americano. Mas o clube que pensar ‘ah, isso só vai ser implementado daqui a três ou quatro anos, então vamos continuar fazendo’ terá uma visão míope e perigosa”, alertou Motta.