Sorridente, volante tricolor é entrevistado pelo GloboEsporte.com, fala sobre ídolo no Bahia e missão de recolocar o time na Série A do Campeonato Brasileiro em 2016
O que é o sorriso? Para a ciência, é reação provocada por sentimentos de satisfação ou alegria, que movimenta músculos da face e libera substâncias ligadas ao bem estar. No mundo da arte, é razão de mistério, discreta e enigmática contração de lábios capaz de provocar debates que duram séculos sem qualquer definição. Em notas musicais, é licença poética, ultrapassa a barreira das línguas, ganha os versos de Djavan e vira um pedido de desculpas. Para o volante Feijão, é um simples companheiro de vida. Sem análises químicas, segredos ou metáforas. Apenas extravasa do rosto para contagiar quem está perto. Um traço de personalidade que o segue nos bons e maus momentos. Sinal de quem atingiu o que sempre sonhou para a vida. E que já não precisa se perguntar por que sorrir.
Com Feijão é assim. Nem é preciso fazer muitas perguntas para se manter o ritmo da entrevista. O papo flui naturalmente, sempre acompanhado por gargalhadas. Em uma “resenha” com o GloboEsporte.com, o sorridente volante do Bahia falou sobre o retorno à titularidade após dois anos cercados de incertezas. Entre 2014 e 2015, ele foi emprestado ao Flamengo como atleta de futuro promissor, mas pouco jogou no Rio de Janeiro e retornou ao Fazendão em baixa. Após o fracasso no clube carioca, perdeu espaço no Tricolor e foi cedido temporariamente ao Atlético-GO. No início deste ano, conquistou uma vaga no time comandado por Doriva. Ganhou elogios por atuações que não se resumiram aos costumeiros desarmes. Empolgado, contou que tem a expectativa de seguir com a boa fase para se manter na equipe titular e, um dia, entrar na seleta lista de ídolos do clube.
- Isso tudo é fruto de um trabalho. Espero melhorar a cada dia, me tornar um ídolo. Ainda não sou um ídolo. Sou um jogador jovem, que quer aparecer. Espero dar orgulho ao torcedor, recolocar o Bahia na Série A, me tornar um dos grandes jogadores do clube. Sei que será muito difícil, mas espero entrar para a lista de ídolos – disse o volante tricolor.
Feijão não seria o primeiro volante a ocupar um lugar entre os ídolos do Bahia. Baiaco e Lima Sergipano conseguiram o feito e estão gravados na memória dos torcedores mais saudosos. Ao ser questionado sobre referências que possui com a camisa tricolor, o atleta de 21 anos não hesita. Escolhe um clássico “camisa 5”, mas que, em vez de unânime adoração, desperta sentimentos conflitantes no torcedor.
- Tenho vários ídolos. O Beijoca, o Bobô. Mas o cara que me inspiro mesmo é o Fahel. Quando subi para o profissional, ele me deu conselhos. Apontou qual era o caminho. Esses conselhos estão sendo bem aproveitados. Não estão entrando por um ouvido e saindo pelo outro, como alguns bons atletas jovens fazem. Estou representando o Bahia e mostrando o meu futebol.
Feijão ainda não é um ídolo, mas parece trilhar o caminho certo. De jogo em jogo, o carismático volante conquista torcedores e acumula feitos. Em 2013, balançou as redes contra o Corinthians na Copa São Paulo, foi promovido ao time profissional, colocou Fahel no banco de reservas, virou garoto propaganda e marcou o gol mil do clube na história dos campeonatos brasileiros. Antes disso, era apenas uma criança do Brasil Gás, comunidade localizada às margens da BR-324, que sonhava em ser profissional no clube pelo qual torcia. A fantasia virou realidade. Talvez este seja o segredo por trás do frequente sorriso.
- Tenho orgulho imenso [de jogar pelo Bahia]. Desde a época das divisões de base eu treino firme e forte pensando em chegar ao profissional. Como torcedor fanático, queria entrar no campo, às vezes nem acredito que estou no estádio jogando. É um orgulho imenso. Todo jogo penso em dar a vida, representar minha família, a torcida do Bahia, cada torcedor que está no estádio, que deixa a mulher e os filhos em casa para nos ver jogando. Por isso quero sempre dar o meu melhor para o Bahia. O ano de 2016 está sendo maravilhoso. Não quero parar por aqui. Quero chegar nas duas finais [Campeonato Baiano e Copa do Nordeste] e ser campeão.
MEDO DE AVIÃO
Apesar de recorrente, o sorriso não é um companheiro inseparável de Feijão. Quando está em um avião, o rosto do volante ganha traços opostos à alegria. Os olhos se movem inquietos, as rugas visíveis e os dentes em atrito evidenciam preocupação. A feição do atleta tricolor deixa evidente a tensão de quem tem medo de viagens aéreas. Pavor que ele sequer tenta esconder.
- Tenho muito medo de avião. Quando viajo, fico rezando para chegar logo no local. Tenho muito medo.
Em fevereiro deste ano, o medo de viajar de avião fez Feijão pedir para ficar fora de uma viagem aos Estados Unidospara um amistoso contra o Orlando City. Enquanto os companheiros embarcaram para a Flórida, o volante permaneceu na capital baiana e aprimorou a forma física no Fazendão. Para ser liberado, contudo, foi preciso conversar com Doriva. E o bate-papo ocorreu ainda no vestiário, logo após um triunfo sobre o Confiança na Arena Fonte Nova, pela Copa do Nordeste.
- Falei com o Doriva que tinha medo. A viagem também era desgastante demais. E tinha o dólar alto também (risos) – brincou.
OLODUM E CARNAVAL
Feijão é um dos poucos baianos do atual time titular do Bahia. Além dele, apenas o lateral Hayner e o atacante Zé Roberto representam o estado entre os 11 iniciais de Doriva. A diversidade cultural da equipe é ilustrada pela variedade musical no vestiário. Antes e depois dos jogos, os atletas são regidos por uma trilha que normalmente inclui músicas românticas, pagode e sertanejo. A “salada” só ganha tons únicos quando Feijão está presente. No vestiário, ele costuma ouvir Olodum em alto volume. As batidas de tambores tomam conta do ambiente e impedem que qualquer outro som ganhe forma. Os companheiros se queixam, mas o volante não se importa. Até faz pouco caso. Em resposta às reclamações, emenda um: “Você tá na Bahia, parceiro”. E fim de papo.
- Sou fã de várias bandas. Mas quem nasce na Bahia não tem jeito. Sou fã do Olodum. Gosto dos Filhos de Gandhy, também do Bailão do Robyssão. Qual o cara que não gosta de curtir um som na hora certa? (...) Tem uns jogadores que gostam de ouvir as músicas deles. Cada um tem que respeitar. Eles gostam de sertanejo, rock, pagode. Eu coloco Olodum. Os caras ficam dizendo que é música feia (risos). Só escutam Péricles, Revelação. Não sou muito fã. Prefiro o Olodum ou o "pagodão", a "quebradeira" – conta o volante.
Com uma vida de atleta, que inclui dedicação aos treinos e necessidade de descanso, Feijão não tem muitas chances para ir aos shows do Olodum. A Terça da Benção, apresentação da banda realizada no Pelourinho às terças-feiras no período pré-carnaval, é quase uma impossibilidade. Somente nas férias ou durante as folgas é possível acompanhar o ritmo dos tambores mais de perto.
Uma das chances de estar perto do Olodum neste ano foi durante o carnaval. Liberado por Doriva, Feijão comprou abadás e saiu com a esposa no bloco afro. Também convenceu Gustavo Blanco a acompanhá-lo em uma aventura momesca. Parceiros da época das categorias de base, os dois vestiram o branco e desfilaram no Filhos de Gandhy. Experiência que fugiu da rotina do meia, habituado a uma realidade totalmente diferente à de Feijão, criado em bairro periférico da capital baiana.
- No carnaval, fui para o bloco do Olodum com a minha esposa. Depois, fui para os Filhos de Gandhy com Gustavo Blanco. Ele gosta de ficar no camarote, chamei para sair comigo. Eu nem sei como é um camarote. Nunca fui. Meu negócio é o povão (risos). Ele foi até o fim do desfile do Gandhy comigo. Deu tudo certo. Ele se assustou um pouquinho. O camarote é tranquilo, ambiente fechado, ninguém entra. No povão todo mundo fica gritando, falando um monte de coisa. Mas estou acostumado – disse o atleta tricolor.
VOLTA POR CIMA
A boa fase deixa o sorriso de Feijão ainda maior. Ao se apresentar para a pré-temporada, o volante estava acima do peso e tinha concorrência acirrada para a titularidade. Ser emprestado novamente era uma ameaça real. Foi preciso se superar para ter de volta o prestígio que o acompanhou durante a temporada 2013, quando foi titular do time treinado por Cristóvão Borges.
Após a primeira partida em 2016, Feijão reconheceu que os dois anos em que perdeu espaço no Bahia foram acompanhados por alguns deslizes. Hoje ele tenta não repetir os erros. Faz o possível para seguir sorrindo e também para dar motivos para o torcedor se manter feliz.
- [Cometi] Vacilos que todos os atletas jovens cometem. Você acha que é o “bambambam”, que é o melhor do time, o cara. Mas não é assim. Futebol é dinâmico demais. Se não treina direito, se está com a cabeça em outro lugar, as coisas não acontecem como deveriam. Outros jogadores vão te atropelando. (...) Surgi em 2013, fui para o Flamengo, voltei e não joguei. Nessa situação, você começa a pensar que é o pior. Passa um monte de coisas pela cabeça. Agora estou mais amadurecido. Voltei para 2016, ganhei a confiança de Doriva. Todos no clube me ajudaram muito. Sem a confiança do técnico, do Reverson Pimentel [preparador físico], do Maurício Sales [nutricionista], sequer estaria sendo relacionado. Poderia ter sido emprestado de novo. Graças a Deus, ganhei a oportunidade. Estou agora aqui, firme e forte, querendo brilhar cada dia mais. Quero fazer história. Não quero ser mais um que passou e as pessoas dizem que não deu certo – afirmou.
Ao falar sobre o atual momento, Feijão se mantém sorridente, mas não por alegria. O riso do volante traduz confiança. Expõe um jogador que passou por cima de desafios e que reconhece estar novamente na trilha que para o sucesso. Para que a felicidade fique completa, ele espera comemorar no fim do ano o acesso do Bahia para a Série A. Assim, o sorriso único se tornaria gargalhada coletiva.
- Para aqueles que não acreditavam, que falaram que o Feijão não prestava, eu estou mostrando que posso jogar. Sei que não preciso provar nada para ninguém, apenas para mim mesmo. (...) Fui, voltei e estou aqui para brilhar mais uma vez. Espero melhorar a cada dia e ajudar a levar o clube ao local que merece.